segunda-feira, 14 de março de 2011

Uma história do copyright, por Rick Falkvinge - parte 2


Fonte: A Rede


Rick Falkvinge, fundador do primeiro Partido Pirata, começou a publicar em 1o. de fevereiro, em seu blog, uma série de sete capítulos chamada História do Copyright. "Nesta série de sete capítulos, vou escrever sobre a história do copyright desde 1350 até nossos dias. Essa história, nos livros de história, é muito diferente do que normalmente ouvimos por parte da indústria de copyright hoje", explica ele. Vamos fazer a tradução livre e publicar a série. A primeira parte, sobre os copistas e o surgimento da imprensa, foi publicada ontem. Esta é a segunda parte.

Parte 2: Bloody Mary

O rei Henrique VIII queria um filho que pudesse herdar o trono da Inglaterra e
continuar a Dinastia Tudor, mas seu casamento foi uma decepção. Sua esposa, Catarina de Aragão, lhe deu somente uma filha, Mary [a quem vamos chamar de Maria, nesta tradução]. Pior ainda, o papa não lhe permitiu divorciar-se de Catarina, para poder se casar novamente e tentar gerar um herdeiro.

A solução encontrada por Henrique foi bem drástica, eficaz e pioneira. Ele converteu a Inglaterra ao protestantismo e fundou a Igreja Anglicana, para impedir qualquer influência do papa sobre seu casamento. Conseguiu que seu casamento com Catarina de Aragão fosse declarado nulo em 23 de maio de 1533 e depois casou-se com várias mulheres. Teve uma segunda filha com sua segunda esposa e finalmente um filho com sua terceira esposa. Ao contrário de Maria, ilegítima, seus meio-irmãos mais jovens — Elizabeth e Eduardo — eram protestantes.

Eduardo sucedeu Henrique VIII no trono em 1547, aos nove anos. Ele morreu antes de chegar à idade adulta. Maria era a próxima na linha de sucessão, independente de ter sido declarada ilegítima. Assim, vingando-se, a renegada assumiu o trono da Inglaterra, como Maria I, em 1553.

Ela não falava com seu pai há anos. Na verdade, sua missão era desfazer os mal-feitos do pai à fé católica, à Inglaterra, a sua mãe, e tornar o reino católico novamente. Ela perseguiu sem descanso os protestantes, executou centenas deles publicamente, e assim recebeu o nome de Bloody Mary (Maria, a Sanguinária).

Maria I era solidária à igreja católica em suas preocupações a respeito da imprensa escrita. A possibilidade de distribuir, em massa e rapidamente, informações -- e em particular livros heréticos --, era um perigo para seu projeto de restaurar o catolicismo. (Naquela época, não era possível distinguir entre o que era informação religiosa e o que era informação política.)

Conhecedora do fracasso da França em sua tentativa de acabar com a imprensa escrita, mesmo sob a ameaça de enforcamento, ela se deu conta de que precisaria encontrar outra solução. Uma solução que beneficiasse as gráficas e, assim, conseguisse sua cumplicidade.

Ela desenvolveu um sistema de monopólio, por meio do qual a Corporação de Impressores da Inglaterra teria o monopólio de todo o material impresso no reino, em contrapartida à aceitação da censura prévia, por parte da coroa, sobre o que seria impresso. Era um monopólio lucrativo para a corporação, que assim trabalharia duro para mantê-lo, a favor da censura real. Essa fusão entre os interesses do governo e da corporação se mostrou eficaz no combate à liberdade de expressão e na supressão da divergências político-religiosas.

O monopólio foi concedido à Companhia de Livreiros de Londres em 4 de maio de 1557. E se chamava copyright. Foi amplamente bem sucedido como um instrumento de censura. A parceria com a indústria para suprimir a liberdade de expressão funcionou, ao contrário do que aconteceu na tentativa francesa no início dos anos 1500, quando se tentou banir a imprensa por decreto.

Os Livreiros trabalharam como um escritório de censura privado, queimando livros não-licenciados, fechando ou empastelando gráficas que infringiam o monopólio e impedindo que materiais impróprios politicamente viessem à luz do dia. Eles consultavam os censores da rainha apenas em casos de dúvida sobre o que era ou não permitido imprimir. Quase nada se podia imprimir, ficou claro depois de algumas consultas iniciais.

Havia uma óbvia demanda por leitura, e o monopólio era lucrativo para os Livreiros. Contanto que não circulasse nada que levasse à desestabilização política, as pessoas comuns podiam ter acesso a publicações de entretenimento. Foi um acordo com ganhos recíprocos para a rainha e para os Livreiros, que tinham um monopólio lucrativo em suas mãos.

Maria I morreu somente um ano depois, em 17 de novembro de 1558. Foi sucedida por sua meia-irmã, a protestante Elizabeth, que se tornou Elizabeth I, uma das mais respeitadas rainhas da Inglaterra. Maria havia fracassado em suas tentativas de restaurar o catolicismo na Inglaterra. Mas sua invenção do copyright sobrevive até hoje.

Próximo: Começam as batalhas do copyright, com vitórias de ambos os lados.

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