Fonte: A Rede
Rick Falkvinge, fundador do primeiro Partido Pirata, começou a publicar em 1o. de fevereiro, em seu blog, uma série de sete capítulos chamada História do Copyright. "Nesta série de sete capítulos, vou escrever sobre a história do copyright desde 1350 até nossos dias. Essa história, nos livros de história, é muito diferente do que normalmente ouvimos por parte da indústria de copyright hoje", explica ele. Vamos fazer a tradução livre e publicar a série. Esta é a quarta parte.
Parte 4: Os Estados Unidos e as bibliotecas
O copyright não nasceu nos Estados Unidos. A ideia havia aparecido bem antes, na Europa, como vimos nos primeiros capítulos desta série. Quando levaram as leis do Velho Continente para o novo país, os Patronos Fundadores [os Founding Fathers, que escreveram e assinaram a Declaração de Independência dos EUA] tiveram dificuldade para chegar a um consenso sobre o tema do monopólio das ideias -- o copyright. Thomas Jefferson escreveu:
"Se a natureza produziu uma coisa menos suscetível de propriedade exclusiva que todas as outras, essa coisa é a ação do poder de pensar que chamamos de ideia, que um indivíduo pode possuir com exclusividade apenas se mantém para si mesmo. Mas, no momento em que a divulga, ela é forçosamente possuída por todo mundo e aquele que a recebe não consegue se desembaraçar dela. Seu caráter peculiar também é que ninguém a possui de menos, porque todos os outros a possuem integralmente. Aquele que recebe uma ideia de mim, recebe instrução para si sem que haja diminuição da minha, da mesma forma que quem acende um lampião no meu, recebe luz sem que a minha seja apagada."
Ao fim, a Constituição americana foi a primeira a estabelecer com precisão o motivo para a concessão de copyrights (e patentes!). O texto é muito claro e direto em sua justificativa para a introdução do copyright na legislação americana: “… para promover o progresso das ciências e artes…”
É muito interessante que o monopólio não tenha sido adotado para favorecer a remuneração de qualquer profissional – nem escritores, nem impressores, nem distribuidores. Ao contrário, o objetivo é exemplar em sua clareza: a única justificativa para o monopólio é se ele amplia a cultura e o conhecimento à disposição da sociedade.
Assim, o copyright (nos Estados Unidos, e portanto na forma predominante que ele tem hoje) é um equilíbrio entre o acesso público à cultura e o mesmo interesse público de que a cultura se renove. Isso é importantíssimo. Em particular, veja que o interesse público é a única parte legítima na elaboração e na evolução da lei do copyright: os proprietários do monopólio sobre direitos de autor e patentes não são partes legítimas e não deveriam ter o que dizer, de acordo com essa elaboração, da mesma forma que o regimento de uma cidade não deveria ter nada a dizer sobre o quanto é necessário para a segurança nacional.
É importante recorrer às palavras da Constituição norte-americana quando as pessoas acreditam, enganosamente, que o monopólio do copyright foi criado para que os artistas pudessem ser remunerados. Não foi assim nunca, em país nenhum.
Enquanto isso, na Inglaterra
Enquanto isso, na Inglaterra, os livros continuavam muito caros, principalmente por causa do monopólio do copyright. Somente nas casas de pessoas ricas havia coleções de livros, e algumas delas começaram a emprestá-los, generosamente, para as pessoas comuns.
Os editores não gostaram nada disso e começaram a pressionar o Parlamento para tornar ilegal a leitura de um livro sem o pagamento por sua impressão. Tentaram colocar as bilbiotecas públicas na ilegalidade antes mesmo de as bibliotecas terem sido inventadas. “Ler sem pagar antes? Isso é roubar os autores! Tirar o pão da boca de seus filhos!”
O Parlamento, no entanto, adotou uma posição distinta, porque tinha consciência do impacto positivo da leitura sobre a sociedade. O problema percebido pelo Parlamento não era a eterna reivindicação dos donos dos monopólios de copyright, mas a questão de que as pessoas ricas da sociedade eram quem decidia, na prática, quem podia e quem não podia ler. Parecia benéfica para a sociedade uma mudança no campo do jogo: criar bibliotecas públicas, acessíveis igualmente a ricos e pobres.
Quando os proprietários dos monopólios de copyright tomaram conhecimento dessa ideia, ficaram absolutamente descontrolados.
“Não se pode permitir que as pessoas leiam livros de graça! Se isso acontecer, nunca mais venderemos um livro! Ninguém vai poder viver do que escreve! Se essa lei for aprovada, nenhum escritor jamais voltará a escrever um livro!"
O Parlamento, nos anos 1800, era mais sábio do que é hoje, no entanto, e enxergou o descontrole dos donos do copyright. O Parlamento assumiu a posição firme de que a sociedade se beneficiaria mais do acesso público ao conhecimento e à cultura do que das restrições desejadas pelos donos dos monopólios de copyright e, em 1849, aprovou a lei das bibliotecas públicas na Inglaterra. A primeira biblioteca pública foi aberta em 1850.
Como sabemos, desde então nunca mais se escreveu um livro. Ou isso ou a bobagem dos donos de monopólios de copyright sobre a impossibilidade de haver criação sem eles era tão falsa, naquela época, como é quando repetida hoje.
(Nota: em alguns países europeus, autores e tradutores recebem um dinheirinho cada vez que algum livro é emprestado por uma biblioteca. E é importante ressaltar que isso não acontece como uma compensação por uma perda imaginária de remuneração, como se toda limitação a um monopólio exigisse alguma forma de compensação, mas porque existe um fundo nacional de cultura que usa as estatísticas das bibliotecas para medir a popularidade dos livros. Além disso, esse fundo foi criado apenas nos anos 1900, muito tempo depois das bibliotecas.)
Enquanto isso, na Alemanha
A Alemanha não tinha monopólio sobre copyright em todo esse período. Muitos historiadores argumentam que isso levou a uma rápida disseminação de conhecimento e que permitiu à Alemanha assumir a liderança no desenvolvimento de tecnologias industriais, à frente da Inglaterra — o conhecimento, lá, podia se espalhar de maneira rápida e barata. Então, de alguma maneira, quando superou a Inglaterra e assumiu essa liderança, a Alemanha provou que o Parlamento Britânico estava certo: o interesse nacional supera o interesse dos monopólios das editoras quando se trata do acesso à cultura e ao conhecimento.
Próximo: Direitos morais no continente
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